segunda-feira, 21 de março de 2011

A Cozinha Indígena Mapu Yyagl de Anita Epulef. Parte 3: Os “mistérios” das Araucárias

Tínhamos chegado ao ponto que, há tempos, tentávamos conhecer melhor: a relação dos Mapuche com as Araucárias, estas árvores quase mitológicas.  Uma aura de mistério e sabedoria permeia as Araucárias. Seus bosques nativos são uma raridade.  Alguns dos pouquíssimos lugares do mundo onde ainda se encontram estão localizados na América do Sul, no sul do Brasil e na Patagônia Chilena e Argentina.  Sabe-se que a Araucária é de fato um “fóssil vivo”, um dos poucos remanescentes que ficaram das florestas que ocuparam o planeta há 200 milhões de anos atrás, quando boa parte dos continentes atuais estavam unidos num único super-continente denominado Gondwana. As evidências de florestas fosseis encontradas na Antártida são, mormente, de Araucárias que povoaram esse continente, agora gelado, até 70 milhões de anos atrás.  As Araucárias guardam, portanto, uma memória genética de um passado remoto, quando os dinossauros dominavam nosso planeta.  Pedimos para Anita que nos contasse mais detalhes sobre essa árvore misteriosa. E ela continuou:  O fruto da araucária se chama niglliu, ou pinhão. Coletamos estes frutos no outono e o comemos durante todo o ano. E, para isso, utilizamos diversas preparações. Secos, ou na bebida,  no  pão, nas sopas e nos guisados.  Conta a história dos nossos antepassados que, quando eles estavam sendo invadidos, subiram nas montanhas nevadas para se protegerem sobre as  araucárias. E ela forneceu-lhes alimento”. Segundo Anita, os Mapuche aguardam que os frutos das araucárias caiam sozinhos. Assim, nem todas as sementes podem ser colhidas. Algumas devem ser preservadas para o crescimento da próxima muda e para o alimento de outros seres e animais, que também necessitam comer. Este saber é passado de geração em geração e só é adquirido através do conhecimento e vivência da tradição Mapuche.

A Cozinha Indígena Mapu Yyagl de Anita Epulef. Parte 2: A identidade dos Mapuche

No início da conversa perguntamos para Anita qual é a missão do povo Mapuche no contexto atual que vive a humanidade. A resposta foi bem clara e direta:  Somos uma identidade de território do sul do Chile. Consideramos que somos responsáveis pela manutenção e equilíbrio deste lugar, pela preservação e conexão deste habitat  com o macrocosmo. De certa forma, exercemos o ofício de guardiões desta cordilheira, visando  a proteção, a manutenção e a perpetuação das espécies aqui viventes, dos bosques, das águas, das montanhas”. Ainda não tínhamos terminado de assimilar essa resposta, quando ela aprofundou: “As bases deste conhecimento tem a ver com a tradição cultural do sul do Chile, e com a identidade de território. A força e o conhecimento da nossa gente vêm das montanhas. Somos chamados de Pehuenches, que formam parte da nação Mapuche, povo  que vive na cordilheira e mora no entorno das araucárias.  As araucárias dominam toda a nossa geografia, e elas são o sustento básico da nossa alimentação

quinta-feira, 17 de março de 2011

Um Carnaval Diferente

Demorou mas saiu.  Muitas pessoas tem buscado diferentes opções para os dias de carnaval.  Há muitos anos acontece exatamente nessa data um encontro sobre espiritualidade e conhecimento em Campina  Grande/PB, que se tornou um roteiro alternativo para muitos, e interessante.  O Instituto Ecologia da Mente em parceira com o Instituto Mulharajj inauguraram este ano um carnaval diferente, uma festa do conhecimento, com alegria e comilança de brinde.  Foram dias de muita tranquilidade e aprendizado leve, com caminhadas pela praia, meditação e estudos variados.  Nossa chef de cozinha Izolete brindou os alunos com aulas fantásticas sobre o sentido do Oralador, teoria que é parte integrante do Curso de Sabores &Saberes e Mesas Mágicas.  Os profissionais de terapia que assistiram ficaram encantados e  garantiram que vão usar esse conhecimento em suas áreas.  Esperamos que esse seja o primeiro de muitos carnavais.  Obrigado a todos pela presença. 


domingo, 13 de março de 2011

Plantas Nativas Com Altas Qualidades Nutricionais: Ora-pro-nobis

Muitas pessoas desconhecem essa planta que é um dos ingredientes de um prato clássico de Minas Gerais: frango com ora-pro-nobis.  Apesar de ser um clássico culinário, são poucos os locais de cultivo dessa planta.  Alguém sabe a razão?  Uma professora do Curso de Gastronomia da Universidade Estácio de Sá ficou encantada ao ver nossa ora-pro-nobis, que formou uma bela cerca-viva, e é tida como uma planta que não se desenvolve bem no Rio de Janeiro.  Essa trepadeira da família das cactáceas, de folhas comestíveis, é considerada a “carne dos pobres”, suas folhas são ricas em proteínas, mais de 25%, vitaminas e minerais.  Aqui em Fanestai elas dominam o ambiente e florescem belamente.  Para prepará-la na culinária, colhe-se somente o final do ramo, que não deve ser lavado, porque senão solta uma baba semelhante ao quiabo.  Basta passar um pano úmido nas folhas, e, já está pronta para ir para a panela.

Feijão de Fanestai

Pelo segundo ano consecutivo, estamos colhendo nosso próprio feijão, cuja “safra” tem sido suficiente para  prover nossa Escola e consumo interno por quase o ano inteiro.  Veja que bonito estava nossa “roça” de feijão antes de ser colhido.  Melhor ainda é ele na panela que, por ser fresco, cozinha rapidinho, e com aroma e sabor inesquecíveis.  Nossa Chef Izolete preparou uma receita de feijão preto com abóbora, especialmente para nossos alunos, de cair o queixo.  Veja abaixo a receita para que você possa fazer em casa.  Ela também fica deliciosa se for feita com feijão vermelho.  Bon apetit!


FEIJÃO BRASILEIRINHO

Ingredientes
  • 400 g de feijão preto, vermelho ou mulatinho
  • 2 folhas de louro
  • 200 g de toucinho fresco, em cubos
  • 2 coxas e sobrecoxas de frango desossadas, cortadas em cubos
  • 300 g de lingüiça calabresa, em rodelas
  • 300g de lingüiça fresca, em pedaços
  • 2 paios cortados em rodelas
  • 600 g de músculo em cubos grandes
  • 2 cebolas picadas
  • 4 dentes de alho amassados
  • 20 g de colorau
  • 500 g de abóbora japonesa em cubos, com a casca
  • Sal a gosto
  • Pimenta branca a gosto
  • Água quanto baste

Modo de fazer

  1. Temperar o músculo com sal e pimenta. Aquecer bem uma panela grande (sem a tampa), colocar um fio de azeite e refogar o músculo até dourar. Reservar.
  2. Lavar o feijão. Escorrer. Colocar na panela de pressão com o louro e o músculo frito e cobrir com bastante água. Fechar a panela e cozinhar por aproximadamente 40 minutos (ou até o feijão ficar macio). Reservar.
  3. Temperar os cubos de frango com sal e pimenta.
  4. Na panela onde fritou a carne, colocar os cubos de toucinho e levar ao fogo até que estejam crocantes e dourados. Retirar os cubos e reservar, deixando a gordura.
  5. Na gordura do toucinho, fritar as linguiças e o paio até dourar. Retirar escorrendo a gordura na panela e reservar.
  6. Ainda na mesma gordura, frite os frangos até ficarem crocantes. Retirar o frango e reservar.
  7. Aproveitar a gordura que ficou na panela para fritar a cebola e o alho. Quando estiverem prontos, acrescentar todos os ingredientes reservados e o colorau, o feijão cozido (com o caldo) e cozinhar mais um pouco, mexendo de vez em quando, até o caldo engrossar.
  8. Quando estiver quase pronto (mais ou menos cinco minutos antes de servir), acrescentar os cubos de abóbora, tampar e esperar que fiquem macias, mas sem desmanchar. Acompanha arroz branco salpicado de cebolinha verde e pimenta malagueta.

Observação: se quiser, pode usar miolo de alcatra em lugar do músculo.

As Pesquisas de Campo do Instituto Mukharajj - A Cozinha Indígena Mapu Yyagl de Anita Epulef. Parte 1: Introdução

Nosso trabalho de pesquisa de campo, no verão de 2010, nos levou até Pucón, no sul do Chile, terra dos vulcões e bosques de araucárias. Foi lá que conhecemos Anita Epulef, gourmet Mapuche e Líder Indígena de Curarrehue, numa Feira ecológica Artesão/Gastronômica. Nesse evento, Anita e outros mestres da cozinha Mapuche MapuYyagl, apresentaram o que existe de melhor na gastronomia  Mapuche.  A bela vila de Pucón foi edificada na base do vulcão Villarrica, lugar que até pouco mais de 100 anos atrás ainda era território indígena.  De fato, a etnia Mapuche foi uma das que maior resistência se opôs ao avanço conquistador de outros povos (principalmente incas e, posteriormente, “brancos”). Os Mapuche (termo que significa “gente da terra”), desde tempos remotos, ocuparam no Chile uma imensa área localizada ao sul do Rio Maule. Atualmente, os Mapuche de Curarrehue lutam contra o avanço de mineradores nas terras que, desde tempos ancestrais, formam parte do seu território.  Do ponto de vista gastronômico, preservaram boa parte das características culturais originais, ao tempo que incorporaram hábitos de outras raças  indígenas e de descendentes de europeus. A base da comida ancestral dos Mapuche da Cordilheira dos Andes são os pinhões da araucária, além de outros frutos, fungos, carnes e leguminosas. Bons exemplos de elementos sabiamente “importados” são o milho (que veio com os Incas), o trigo europeu, e o mate (chimarrão) de origem Guarani. De fato, Anita nos atendeu gentilmente numa cálida manhã de fevereiro, sem abrir mão do seu chimarrão.


Anita Epulef, gourmet Mapuche e Líder Indígena de Curarrehue